Nordeste; Fernando Bezerra diz que ocorreram muitos avanços na região, mas é preciso investir mais na segurança alimentar dos rebanhos e em tecnologias - Veja entrevista com o Ministro
O ministro da Integração Nacional Fernando Bezerra
Alan Sampaio / iG Brasília
Guardião de uma das duas pastas destinadas ao PSB no governo Dilma Rousseff, Fernando Bezerra, chefe da pasta de Integração Nacional, demonstra que pretende seguir até o fim desta gestão, fiel à presidente. Mostra-se extremamente preocupado com a escassez de água no Nordeste, nesta que é a pior seca dos últimos 50 anos. Mas rechaça qualquer menção à imagem de um Nordeste de retirantes, famintos e migrantes.
O ministro da Integração Nacional Fernando Bezerra
Nascido em Petrolina, no sertão pernambucano, Fernando Bezerra de Souza Coelho acompanhou inúmeros ciclos de seca no semiárido. Diz que nunca viu tamanha escassez de água como a que acontece agora. Entretanto, ao comparar os dias de hoje aos do passado, afirma que as condições humanas são bem diferentes. “Hoje temos segurança alimentar para as pessoas.” Ele acrescenta, porém, que a seca mostrou a fragilidade de estrutura no Nordeste. “Não tem estrutura para guardar o milho. Tem que investir mais na armazenagem.”
Segundo Bezerra, os programas de inclusão social que se desenvolvem desde o governo Lula, mais as medidas emergenciais lançadas entre o ano passado e o atual, no total de R$ 16,6 bilhões, vão assegurar uma saída para o sertanejo. Entre as novas medidas que ele cita está renegociação da dívida dos agricultores afetados pela seca. O pagamento das dívidas contratadas de 2012 a 2014 foi prorrogado por um período de dez anos. O início do pagamento, no caso de agricultores empresariais, será em 2015; no caso de agricultores familiares, 2016. Os agricultores familiares terão ainda um bônus de adimplência de até 80%.
Outra medida, é a manutenção dos programas Garantia-Safra e Bolsa Estiagem enquanto durar o período da seca. Serão incorporados um total de 361.586 novos beneficiários ao Bolsa Estiagem, que beneficia atualmente 880 mil agricultores em 1.311 municípios. O Garantia-Safra atende hoje 769 mil agricultores em 1.015 cidades.
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O governo também atendeu a um pleito dos estados, para que o milho disponibilizado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) chegue até os rebanhos. O grão virá por navio, da Argentina e do Uruguai, chegando mais rápido, direto nos portos e sendo transportado pelos governos estaduais até os municípios afetados. Entre abril e maio serão 340 mil toneladas de milho que o governo distribuirá. “O compromisso é ofertar, a partir de junho, pelo menos 160 mil toneladas até dezembro”, diz. Até dezembro de 2014, o governo também viabilizará a instalação de mais de um milhão de cisternas para consumo no semiárido. Além disso, o Serviço Geológico do Brasil (CPRM), a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS) irão perfurar ou recuperar mais de 2 mil novos poços até dezembro deste ano.
Como deputado constituinte relator da comissão que tratou da partilha de recursos entre União, estados e municípios, Fernando Bezerra acompanha com tranquilidade as discussões tensas que ocorrem em torno do novo pacto federativo, em que estão em jogo os fundos de participação dos estados e dos municípios, a unificação da alíquota de ICMS e o Fundo de Desenvolvimento Regional.
Os estados do Nordeste estão alarmados com a seca. O semiárido está no segundo ano seguido de estiagem. Quais os objetivos das medidas emergenciais que a presidente Dilma anunciou?
Estas ações estão voltadas, primeiro, para garantir renda mínima para que as pessoas possam ter acesso a alimentação e manutenção de suas propriedades. Para ter as condições de enfrentar este momento mais crítico. Estamos ampliando a operação carro-pipa. Hoje temos 4.600 carros pipas e estamos com autorização para ir a 6.100 carros. Outra ação é a manutenção do bolsa-estiagem e do garantia-safra. Em outra frente, estamos ampliando e reforçando a oferta de milho. E também tem a renegociação das dívidas dos agricultores. A dívida está sendo prorrogada por dez anos.
Existe uma demanda por parte dos estados para a criação de um programa de reconstituição do pasto e do gado, já que as perdas são incalculáveis e eles precisam se preparar para quando a chuva voltar. Como o governo está analisando isso?
Isso vai ser coordenado pelo MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) com a participação da Embrapa e dos ministérios da Agricultura e da Integração. É uma grande discussão sobre os instrumentos que serão oferecidos. Sejam instrumentos de crédito, sejam instrumentos de pesquisa, inovação, definição de alternativas para alimentação animal. A ideia é que a gente também possa avançar numa coisa que esta seca revelou que nós temos ainda muitas fragilidades. Esta seca mostrou que nós avançamos muito no que diz respeito à segurança alimentar da população. Não há mais a imagem de retirantes, dos esfomeados, dos migrantes. Porque ao longo dos anos se montou uma rede de proteção social muito importante no Brasil e de forma particular no Nordeste. Também na segurança hídrica se conseguiu avançar bastante, com implantação de adutoras, de barragens e distribuição de cisternas.
E quais foram as fragilidades que esta seca revelou?
Ainda temos muito que fazer no que diz respeito à segurança alimentar dos rebanhos. É preciso uma discussão que envolva não só o reforço e a infraestrutura. Mas que também envolva a introdução e disseminação de tecnologias que possam dar sustentabilidade produtiva às atividades desenvolvidas na zona rural do semiárido.
Quais os caminhos?
Identificar cada vez mais áreas a serem irrigadas para que se possa produzir silagens, ter o hábito de no tempo dos bons invernos ou ainda aproveitar as áreas passíveis de irrigação para produzir comida para ser guardada. A seca mostrou também a fragilidade da estrutura de armazenagem do Nordeste. Você não tem nem como receber o milho. Não tem estrutura para guardar o milho. Tem que investir mais na estrutura de armazenagem.
Dilma se disse surpreendida com a seca. O sistema de prevenção, criado em 2011, com o Cemaden e o Cenad, ainda deixa a desejar?
Quando a presidenta Dilma disse isso, estava se referindo ao segundo ano de seca. Na realidade, na primeira seca, em abril quando nós já tínhamos as informações do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), do Inpe de que iria se confirmar um ano seco, as primeiras providências foram anunciadas, em abril do ano passado. Não se esperou nem terminar o ciclo de chuva. Não é fácil. Estamos falando de 10 milhões de pessoas afetadas nos estados com situação de emergência reconhecidos. Então, a surpresa de que ela fala é que depois de um ano seco o normal seria um ano um pouco melhor. Nós estamos indo para o segundo ano de seca.
Como o senhor avalia, então, o sistema de prevenção. Já alcançou eficiência?
Na realidade, essa é uma das novidades que nós inauguramos nos últimos dois anos. O Cemaden e o Cenad (Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres) são bem recentes, do ano passado. Este sistema é fruto da decisão da presidenta de melhorar a capacidade brasileira de predição. A iniciativa política de se investir nisso é importante. É uma coisa positiva. O que se busca é trabalhar antes do fenômeno ocorrer. Estamos fazendo isso. Acompanhamos tudo e as informações são passadas para os estados. Não tem surpresa. Você não sabe pela televisão que vai ter uma seca. Os estados vão acompanhando, demandando, tirando dúvidas. Isso melhora muito a qualidade da assistência que está sendo oferecida.
E o que vem por aí? Fala-se de um ano dramático.
A nossa preocupação é grande. Como está se consolidando o segundo ano de seca, o nível dos reservatórios do Nordeste está bem baixo. Em todos os estados está abaixo dos 40%. Em Pernambuco, está em 28%, na Bahia em 30%. Na Bahia é ainda mais crítico, porque não há previsão de chuva por lá. O tempo de chuva já parou. A vantagem de Pernambuco é que ainda pode chover em algumas áreas. Já está ocorrendo racionamento de água. É uma realidade cada vez maior em muitas cidades. Tem água num dia e no outro não tem. Temos áreas urbanas em colapso de água. Algumas cidades estão sendo abastecidas por trem. Vamos viver um período crítico de julho a novembro.
O que fazer?
Temos que trabalhar até dezembro para abastecer as cidades. Foi criada a Força Nacional de Emergência. Estamos visitando os estados, acompanhando o comportamento dos reservatórios e adotando políticas para racionalizar o uso da água. Onde for necessário suspender irrigação, vamos suspender, onde for necessário suspender o uso da água para fins industriais ou comerciais, nós vamos suspender. Isso para garantir água para a população. Agora, dito tudo isso, não podemos ter a impressão de que o mundo se acabou. As atividades primárias nos estados do Nordeste estão se diversificando. O PIB agrícola de Pernambuco é 5% (do PIB do país), do Ceará é 6%. Significa que a base econômica da região se diversificou muito nos últimos anos. A televisão gosta de colocar imagem de carroça carregando boi morto. E a gente fica com a impressão de que morreu todo o gado. Uma pesquisa feita pela USP mostra que em nenhum estado morreu mais que 10% do rebanho.
A situação não é tão grave, então?
Não estou querendo dizer que não exista prejuízo. O prejuízo é alto, R$ 16 bilhões. Não estou falando isso para minimizar. Estou falando isso porque nós não podemos entrar na onda de ressuscitar a indústria da seca. Não se pode dar ouvidos a determinadas críticas feitas por setores que já estão vencidos. Isso não representa a realidade do Nordeste. Estou dando números, porque se a gente não dá números, fica só no drama.
Como o senhor disse, o prejuízo é grande. Quanto tempo vai levar para recuperar as perdas?
Eu fiz esta pergunta à indústria do leite. O número é impressionante. Tem havido uma redução na produção de leite da ordem de 72%. É uma pancada. Eu fiz a pergunta: se nada for feito, ou se for feito só o que já está aí, para recompor a produção de leite do Nordeste, vai-se levar quanto tempo? E a resposta foi que vai se levar de 10 a 15 anos. Agora, se houver instrumentos de políticas públicas que possam enfrentar esta situação, eles acham que em 5 ou 6 anos é possível recuperar os níveis de produção. O setor de leite é o que leva mais tempo para se recuperar.
E tem a produção de mandioca. Também está bem afetada, não é? O quilo da farinha, que é um bem importante para o Nordeste, está custando R$ 8,00 na Bahia. Como minimizar isso?
O cultivo da mandioca é um dos grandes instrumentos de promoção de emprego e renda no Nordeste, é um arranjo produtivo importante. Nós estamos preparando um programa que vem sendo chamado de Reniva — o replantio da maniva da mandioca. A seca está tão brava, que você não tem a semente da mandioca para plantar. E nós estamos desenvolvendo um programa de R$ 60 milhões com a Embrapa, em áreas irrigadas, para ter a semente da mandioca para distribuir para os pequenos produtores na próxima chuva. Para voltar à produção de mandioca. A grande destinação é a farinha, que é um hábito alimentar dos brasileiros e, mais particularmente, do nordestino. Assim que as condições climáticas permitirem, vamos distribuir as sementes.
O governo pretende lançar um novo Plano Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR). Que difere este plano do anterior?
Vamos ter um novo fundo, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. Que vai se somar aos que já existem. Este tema está em discussão no Congresso, colado com os debates do FPE (Fundo de Participação do Estados), do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) e do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). É um conjunto que vai definir um novo pacto federativo entre a União, os estados e municípios. Os fundos vão ganhar mais força no PNDR 2. Além do fundo, estamos discutindo o instrumento de pactualização de metas e indicadores para permitir que num horizonte de dez anos nenhuma região do Brasil possa ter uma renda muito abaixo da renda média do país. A presidenta Dilma estabeleceu um grupo interministerial para que em 180 dias possa instituir os instrumentos que animarão o próximo PNDR, seja através de decreto ou por meio de proposta de lei.
Falando em pacto federativo, nos últimos meses houve um acirramento das discussões em torno do pacto federativo. Os estados e municípios brigam entre si e cobram mais solidariedade da União. O senhor teme uma desintegração nacional?
Não. Estamos muito longe disso. Na constituinte, participei da Comissão de Finanças. Eu era o relator justamente na discussão da partilha dos recursos. Vivi este momento, que foi de muita tensão. Hoje, a grande discussão é que a estrutura de arrecadação da União está composta por impostos partilhados e não partilhados, que não era a realidade de 1988, quando se firmaram os princípios da federação brasileira. O que estamos discutindo é a nova partilha de recursos. E isso é sempre muito tenso.
Outra discussão tensa e que toca no pacto federativo é a MP dos portos. O governador do seu estado, Eduardo Campos, chegou a pedir a retirada do porto de Suape das novas regras. O senhor comunga desse pedido?
Suape é para Pernambuco como a Cemig é para Minas Gerais. É um grande instrumento de promoção do desenvolvimento do estado. É por isso que o governador pede a excepcionalização. Pernambuco viveu nos últimos oito anos uma grande transformação, que se caracteriza não só pelos fortes investimentos federais, mas sobretudo pela qualidade da infraestrutura que foi implantada. E Suape está neste contexto. É de longe o melhor porto público brasileiro, pelo que foi feito ali. Pegando as declarações do governador, existe acordo em 95% da MP e o que se discute é o grau de autonomia na delegação da gestão. Porque todos os portos pertencem à União por princípio federativo. O que está se discutindo é o instrumento da delegação. É até onde vão os poderes da delegação. Deseja-se a delegação para ter liberdade para realizar os processos licitatórios, porque é um instrumento de atração de investimentos. Se você tem o controle do processo de como fazer a ocupação do porto interno, é uma vantagem competitiva importante. Espero acreditar que possamos encontrar um entendimento sem prejuízo dos conceitos que todo mundo está aplaudindo.
Mas o senhor concorda com a ideia de excepcionalizar Suape?
Acho que tem que se examinar se é viável ou não. Tem que ser examinada pelo governo, pelo Congresso. Até porque o conceito que a nova política para os portos brasileiros traduz é bem- vindo. Estamos querendo garantir a menor tarifa e o maior volume de carga a ser transportada. Isso é uma urgência. O país está explodindo na produção agrícola, está crescendo cada vez mais a produção industrial. Vamos precisar cada vez importar e exportar mais. O fluxo de comércio saiu de US$ 100 bilhões para US$ 500 bilhões em dez anos. Mais de 90% disso é feito pelos portos. É preciso dar esse choque para ampliar a infraestrutura portuária e modernizar. Agora, Suape é algo diferenciado do contexto dessa infraestrutura portuária brasileira.
No governo Dilma, o seu ministério teve um incremento de quase 100% para investimentos. Isso é sinal de prestígio?
Isso traduz o compromisso do governo com o desenvolvimento regional. Este é o ministério que tem como objetivo maior promover o equilíbrio de desenvolvimento no território nacional. E acho que o debate que nós estamos vivendo retrata a importância do ministério e isso foi oferecido pela presidente Dilma, com orçamentos cada vez mais crescentes.
Com tantos projetos e um Plano de Desenvolvimento para tocar, o senhor pretende manter-se fiel a Dilma até o fim? Como vai ficar com uma eventual candidatura de Eduardo Campos à Presidência?
Estou muito animado pela confiança e apoio que recebo da presidente Dilma. Evidentemente ocupamos este espaço pela indicação do nosso partido, que fez parte não só na última eleição, como também na trajetória do próprio partido, nas lutas que empreendeu ao lado de Lula desde o inicio desse processo. Este é um assunto não decidido. Nós estamos criando as condições para que haja uma reflexão serena. Dá a oportunidade. Porque é legítimo que o PSB discuta a possibilidade de liderar um projeto político, mas por outro lado é importante também que se pondere se é oportuno se tomar esta iniciativa. Enquanto tiver espaço para o diálogo e para o debate eu aposto que a gente possa continuar construindo a unidade que nos leva a estar juntos há tanto tempo num projeto comum para o Brasil, o PSB e o PT.
Alan Sampaio / iG Brasília
Guardião de uma das duas pastas destinadas ao PSB no governo Dilma Rousseff, Fernando Bezerra, chefe da pasta de Integração Nacional, demonstra que pretende seguir até o fim desta gestão, fiel à presidente. Mostra-se extremamente preocupado com a escassez de água no Nordeste, nesta que é a pior seca dos últimos 50 anos. Mas rechaça qualquer menção à imagem de um Nordeste de retirantes, famintos e migrantes.
O ministro da Integração Nacional Fernando Bezerra
Nascido em Petrolina, no sertão pernambucano, Fernando Bezerra de Souza Coelho acompanhou inúmeros ciclos de seca no semiárido. Diz que nunca viu tamanha escassez de água como a que acontece agora. Entretanto, ao comparar os dias de hoje aos do passado, afirma que as condições humanas são bem diferentes. “Hoje temos segurança alimentar para as pessoas.” Ele acrescenta, porém, que a seca mostrou a fragilidade de estrutura no Nordeste. “Não tem estrutura para guardar o milho. Tem que investir mais na armazenagem.”
Segundo Bezerra, os programas de inclusão social que se desenvolvem desde o governo Lula, mais as medidas emergenciais lançadas entre o ano passado e o atual, no total de R$ 16,6 bilhões, vão assegurar uma saída para o sertanejo. Entre as novas medidas que ele cita está renegociação da dívida dos agricultores afetados pela seca. O pagamento das dívidas contratadas de 2012 a 2014 foi prorrogado por um período de dez anos. O início do pagamento, no caso de agricultores empresariais, será em 2015; no caso de agricultores familiares, 2016. Os agricultores familiares terão ainda um bônus de adimplência de até 80%.
Outra medida, é a manutenção dos programas Garantia-Safra e Bolsa Estiagem enquanto durar o período da seca. Serão incorporados um total de 361.586 novos beneficiários ao Bolsa Estiagem, que beneficia atualmente 880 mil agricultores em 1.311 municípios. O Garantia-Safra atende hoje 769 mil agricultores em 1.015 cidades.
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Como deputado constituinte relator da comissão que tratou da partilha de recursos entre União, estados e municípios, Fernando Bezerra acompanha com tranquilidade as discussões tensas que ocorrem em torno do novo pacto federativo, em que estão em jogo os fundos de participação dos estados e dos municípios, a unificação da alíquota de ICMS e o Fundo de Desenvolvimento Regional.
Os estados do Nordeste estão alarmados com a seca. O semiárido está no segundo ano seguido de estiagem. Quais os objetivos das medidas emergenciais que a presidente Dilma anunciou?
Estas ações estão voltadas, primeiro, para garantir renda mínima para que as pessoas possam ter acesso a alimentação e manutenção de suas propriedades. Para ter as condições de enfrentar este momento mais crítico. Estamos ampliando a operação carro-pipa. Hoje temos 4.600 carros pipas e estamos com autorização para ir a 6.100 carros. Outra ação é a manutenção do bolsa-estiagem e do garantia-safra. Em outra frente, estamos ampliando e reforçando a oferta de milho. E também tem a renegociação das dívidas dos agricultores. A dívida está sendo prorrogada por dez anos.
Existe uma demanda por parte dos estados para a criação de um programa de reconstituição do pasto e do gado, já que as perdas são incalculáveis e eles precisam se preparar para quando a chuva voltar. Como o governo está analisando isso?
Isso vai ser coordenado pelo MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) com a participação da Embrapa e dos ministérios da Agricultura e da Integração. É uma grande discussão sobre os instrumentos que serão oferecidos. Sejam instrumentos de crédito, sejam instrumentos de pesquisa, inovação, definição de alternativas para alimentação animal. A ideia é que a gente também possa avançar numa coisa que esta seca revelou que nós temos ainda muitas fragilidades. Esta seca mostrou que nós avançamos muito no que diz respeito à segurança alimentar da população. Não há mais a imagem de retirantes, dos esfomeados, dos migrantes. Porque ao longo dos anos se montou uma rede de proteção social muito importante no Brasil e de forma particular no Nordeste. Também na segurança hídrica se conseguiu avançar bastante, com implantação de adutoras, de barragens e distribuição de cisternas.
E quais foram as fragilidades que esta seca revelou?
Ainda temos muito que fazer no que diz respeito à segurança alimentar dos rebanhos. É preciso uma discussão que envolva não só o reforço e a infraestrutura. Mas que também envolva a introdução e disseminação de tecnologias que possam dar sustentabilidade produtiva às atividades desenvolvidas na zona rural do semiárido.
Quais os caminhos?
Identificar cada vez mais áreas a serem irrigadas para que se possa produzir silagens, ter o hábito de no tempo dos bons invernos ou ainda aproveitar as áreas passíveis de irrigação para produzir comida para ser guardada. A seca mostrou também a fragilidade da estrutura de armazenagem do Nordeste. Você não tem nem como receber o milho. Não tem estrutura para guardar o milho. Tem que investir mais na estrutura de armazenagem.
Dilma se disse surpreendida com a seca. O sistema de prevenção, criado em 2011, com o Cemaden e o Cenad, ainda deixa a desejar?
Quando a presidenta Dilma disse isso, estava se referindo ao segundo ano de seca. Na realidade, na primeira seca, em abril quando nós já tínhamos as informações do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), do Inpe de que iria se confirmar um ano seco, as primeiras providências foram anunciadas, em abril do ano passado. Não se esperou nem terminar o ciclo de chuva. Não é fácil. Estamos falando de 10 milhões de pessoas afetadas nos estados com situação de emergência reconhecidos. Então, a surpresa de que ela fala é que depois de um ano seco o normal seria um ano um pouco melhor. Nós estamos indo para o segundo ano de seca.
Como o senhor avalia, então, o sistema de prevenção. Já alcançou eficiência?
Na realidade, essa é uma das novidades que nós inauguramos nos últimos dois anos. O Cemaden e o Cenad (Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres) são bem recentes, do ano passado. Este sistema é fruto da decisão da presidenta de melhorar a capacidade brasileira de predição. A iniciativa política de se investir nisso é importante. É uma coisa positiva. O que se busca é trabalhar antes do fenômeno ocorrer. Estamos fazendo isso. Acompanhamos tudo e as informações são passadas para os estados. Não tem surpresa. Você não sabe pela televisão que vai ter uma seca. Os estados vão acompanhando, demandando, tirando dúvidas. Isso melhora muito a qualidade da assistência que está sendo oferecida.
E o que vem por aí? Fala-se de um ano dramático.
A nossa preocupação é grande. Como está se consolidando o segundo ano de seca, o nível dos reservatórios do Nordeste está bem baixo. Em todos os estados está abaixo dos 40%. Em Pernambuco, está em 28%, na Bahia em 30%. Na Bahia é ainda mais crítico, porque não há previsão de chuva por lá. O tempo de chuva já parou. A vantagem de Pernambuco é que ainda pode chover em algumas áreas. Já está ocorrendo racionamento de água. É uma realidade cada vez maior em muitas cidades. Tem água num dia e no outro não tem. Temos áreas urbanas em colapso de água. Algumas cidades estão sendo abastecidas por trem. Vamos viver um período crítico de julho a novembro.
O que fazer?
Temos que trabalhar até dezembro para abastecer as cidades. Foi criada a Força Nacional de Emergência. Estamos visitando os estados, acompanhando o comportamento dos reservatórios e adotando políticas para racionalizar o uso da água. Onde for necessário suspender irrigação, vamos suspender, onde for necessário suspender o uso da água para fins industriais ou comerciais, nós vamos suspender. Isso para garantir água para a população. Agora, dito tudo isso, não podemos ter a impressão de que o mundo se acabou. As atividades primárias nos estados do Nordeste estão se diversificando. O PIB agrícola de Pernambuco é 5% (do PIB do país), do Ceará é 6%. Significa que a base econômica da região se diversificou muito nos últimos anos. A televisão gosta de colocar imagem de carroça carregando boi morto. E a gente fica com a impressão de que morreu todo o gado. Uma pesquisa feita pela USP mostra que em nenhum estado morreu mais que 10% do rebanho.
A situação não é tão grave, então?
Não estou querendo dizer que não exista prejuízo. O prejuízo é alto, R$ 16 bilhões. Não estou falando isso para minimizar. Estou falando isso porque nós não podemos entrar na onda de ressuscitar a indústria da seca. Não se pode dar ouvidos a determinadas críticas feitas por setores que já estão vencidos. Isso não representa a realidade do Nordeste. Estou dando números, porque se a gente não dá números, fica só no drama.
Como o senhor disse, o prejuízo é grande. Quanto tempo vai levar para recuperar as perdas?
Eu fiz esta pergunta à indústria do leite. O número é impressionante. Tem havido uma redução na produção de leite da ordem de 72%. É uma pancada. Eu fiz a pergunta: se nada for feito, ou se for feito só o que já está aí, para recompor a produção de leite do Nordeste, vai-se levar quanto tempo? E a resposta foi que vai se levar de 10 a 15 anos. Agora, se houver instrumentos de políticas públicas que possam enfrentar esta situação, eles acham que em 5 ou 6 anos é possível recuperar os níveis de produção. O setor de leite é o que leva mais tempo para se recuperar.
E tem a produção de mandioca. Também está bem afetada, não é? O quilo da farinha, que é um bem importante para o Nordeste, está custando R$ 8,00 na Bahia. Como minimizar isso?
O cultivo da mandioca é um dos grandes instrumentos de promoção de emprego e renda no Nordeste, é um arranjo produtivo importante. Nós estamos preparando um programa que vem sendo chamado de Reniva — o replantio da maniva da mandioca. A seca está tão brava, que você não tem a semente da mandioca para plantar. E nós estamos desenvolvendo um programa de R$ 60 milhões com a Embrapa, em áreas irrigadas, para ter a semente da mandioca para distribuir para os pequenos produtores na próxima chuva. Para voltar à produção de mandioca. A grande destinação é a farinha, que é um hábito alimentar dos brasileiros e, mais particularmente, do nordestino. Assim que as condições climáticas permitirem, vamos distribuir as sementes.
O governo pretende lançar um novo Plano Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR). Que difere este plano do anterior?
Vamos ter um novo fundo, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. Que vai se somar aos que já existem. Este tema está em discussão no Congresso, colado com os debates do FPE (Fundo de Participação do Estados), do FPM (Fundo de Participação dos Municípios) e do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). É um conjunto que vai definir um novo pacto federativo entre a União, os estados e municípios. Os fundos vão ganhar mais força no PNDR 2. Além do fundo, estamos discutindo o instrumento de pactualização de metas e indicadores para permitir que num horizonte de dez anos nenhuma região do Brasil possa ter uma renda muito abaixo da renda média do país. A presidenta Dilma estabeleceu um grupo interministerial para que em 180 dias possa instituir os instrumentos que animarão o próximo PNDR, seja através de decreto ou por meio de proposta de lei.
Falando em pacto federativo, nos últimos meses houve um acirramento das discussões em torno do pacto federativo. Os estados e municípios brigam entre si e cobram mais solidariedade da União. O senhor teme uma desintegração nacional?
Não. Estamos muito longe disso. Na constituinte, participei da Comissão de Finanças. Eu era o relator justamente na discussão da partilha dos recursos. Vivi este momento, que foi de muita tensão. Hoje, a grande discussão é que a estrutura de arrecadação da União está composta por impostos partilhados e não partilhados, que não era a realidade de 1988, quando se firmaram os princípios da federação brasileira. O que estamos discutindo é a nova partilha de recursos. E isso é sempre muito tenso.
Outra discussão tensa e que toca no pacto federativo é a MP dos portos. O governador do seu estado, Eduardo Campos, chegou a pedir a retirada do porto de Suape das novas regras. O senhor comunga desse pedido?
Suape é para Pernambuco como a Cemig é para Minas Gerais. É um grande instrumento de promoção do desenvolvimento do estado. É por isso que o governador pede a excepcionalização. Pernambuco viveu nos últimos oito anos uma grande transformação, que se caracteriza não só pelos fortes investimentos federais, mas sobretudo pela qualidade da infraestrutura que foi implantada. E Suape está neste contexto. É de longe o melhor porto público brasileiro, pelo que foi feito ali. Pegando as declarações do governador, existe acordo em 95% da MP e o que se discute é o grau de autonomia na delegação da gestão. Porque todos os portos pertencem à União por princípio federativo. O que está se discutindo é o instrumento da delegação. É até onde vão os poderes da delegação. Deseja-se a delegação para ter liberdade para realizar os processos licitatórios, porque é um instrumento de atração de investimentos. Se você tem o controle do processo de como fazer a ocupação do porto interno, é uma vantagem competitiva importante. Espero acreditar que possamos encontrar um entendimento sem prejuízo dos conceitos que todo mundo está aplaudindo.
Mas o senhor concorda com a ideia de excepcionalizar Suape?
Acho que tem que se examinar se é viável ou não. Tem que ser examinada pelo governo, pelo Congresso. Até porque o conceito que a nova política para os portos brasileiros traduz é bem- vindo. Estamos querendo garantir a menor tarifa e o maior volume de carga a ser transportada. Isso é uma urgência. O país está explodindo na produção agrícola, está crescendo cada vez mais a produção industrial. Vamos precisar cada vez importar e exportar mais. O fluxo de comércio saiu de US$ 100 bilhões para US$ 500 bilhões em dez anos. Mais de 90% disso é feito pelos portos. É preciso dar esse choque para ampliar a infraestrutura portuária e modernizar. Agora, Suape é algo diferenciado do contexto dessa infraestrutura portuária brasileira.
No governo Dilma, o seu ministério teve um incremento de quase 100% para investimentos. Isso é sinal de prestígio?
Isso traduz o compromisso do governo com o desenvolvimento regional. Este é o ministério que tem como objetivo maior promover o equilíbrio de desenvolvimento no território nacional. E acho que o debate que nós estamos vivendo retrata a importância do ministério e isso foi oferecido pela presidente Dilma, com orçamentos cada vez mais crescentes.
Com tantos projetos e um Plano de Desenvolvimento para tocar, o senhor pretende manter-se fiel a Dilma até o fim? Como vai ficar com uma eventual candidatura de Eduardo Campos à Presidência?
Estou muito animado pela confiança e apoio que recebo da presidente Dilma. Evidentemente ocupamos este espaço pela indicação do nosso partido, que fez parte não só na última eleição, como também na trajetória do próprio partido, nas lutas que empreendeu ao lado de Lula desde o inicio desse processo. Este é um assunto não decidido. Nós estamos criando as condições para que haja uma reflexão serena. Dá a oportunidade. Porque é legítimo que o PSB discuta a possibilidade de liderar um projeto político, mas por outro lado é importante também que se pondere se é oportuno se tomar esta iniciativa. Enquanto tiver espaço para o diálogo e para o debate eu aposto que a gente possa continuar construindo a unidade que nos leva a estar juntos há tanto tempo num projeto comum para o Brasil, o PSB e o PT.
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