Brasileiro não reclama de pagar caro. Por quê?


Um dileto amigo voltou de Buenos Aires entusiasmado. A hospitalidade portenha continua a mesma e a cidade, desde algum tempo, deixou de ser a Paris dos Trópicos, qual a razão, então, para tanta empolgação? Simples. Lá você pode perguntar o preço das coisas e não levantar os braços na sequência, como, invariavelmente, acontece por aqui. Por menos de mil reais, ele trouxe na bagagem quatro camisas e uma gravata italianas, que no Brasil custariam, no mínimo, o dobro. E com 96 reais ele e a mulher comeram num ótimo restaurante um belo bife de chorizo, acompanhado de um belo vinho. Gostou tanto, que já agendou um retorno à terra de Gardel, ainda este ano. Se a inveja estivesse na lista dos meus inúmeros pecados seria um momento apropriado.

Quem costuma viajar para os Estados Unidos sabe que lá os preços são ainda mais compensadores. Por quê? Não quero chatear você com uma discussão árida sobre fundamentos econômicos. O poder de compra de uma moeda depende de vários fatores. Basta observar que mesmo nos 17 países da União Europeia que usam o euro como moeda oficial há disparidades enormes. O bife que o meu amigo comeu na Argentina custa bem menos em Portugal do que na Alemanha. Mas, no caso do Brasil, estou convencido que pagamos mais porque não nos importamos de pagar mais. Pode ser por inércia, leniência, elitismo ou calor demais na moleira. O fato é que somos, nós consumidores, os maiores responsáveis pelas indecências praticadas por alguns comerciantes.

Quantas roupas você já viu nas vitrines com valores absurdos, que uma cozinheira habilitada faria praticamente igual. Mas ela não tem grife. Essa palavrinha originária da francesa griffe faz toda a diferença. Na nossa elite endinheirada, seja ela do Leblon ou de Botucatu, o que vale é ser "único", melhor, ter algo "único". Uma calça, um carro, uma lancha. E aí, vale tudo. Como bem ensinou o genial Nelson Rodrigues "dinheiro compra até o amor verdadeiro".

Esta jeguice pela "exclusividade" transforma-nos em verdadeiros otários, e pior, é uma doença que atinge quem pode e quem não pode pagar. Na última Virada Cultural, em São Paulo, um jovem da periferia quase foi morto por um bando que roubou seu Mizuno. Não sei quanto ganhava como conferente de supermercado, mas ele pagou quase mil reais pelo tênis. Um pausa para recordação. Quando criança, virei atração na minha rua porque apareci um dia com um Kichute. Todos só usavam Conga. Nem sei se são mais fabricados. Se são, devem custar uma mixaria diante dos outros. Voltemos. Se você não está entre aqueles com dinheiro sobrando ou entre os que querem ser o que não são, talvez, esteja na hora de você começar a reclamar por pagar mais caro. Quem sabe sobre algum para aquela viagem para Miami ou Cidade del leste ou mesmo Jaú.

Antes de encerrar, vou dar dois exemplos para a sua reflexão. Ressalvo que as empresas não são as únicas e seguem apenas uma máxima de mercado. Cobram porque tem alguém para pagar. Lógico, né? A Sony se diz frustrada com o preço do PlayStation 4 no Brasil. Só 4 mil reais. Nos Estados Unidos e no Canadá custa menos de 900 reais. Eu escrevi reais. Não sei como a empresa vai solucionar a sua frustração, mas meus filhos podem ficar frustrados desde já. Outro bom exemplo é a decisão da montadora coreana Hyundai de diminuir em mais de dez mil reais os preços dos modelos Elantra e i30. "É da vida", justifica o presidente da empresa. Como estamos num regime capitalista. E como a finalidade do regime capitalista é o lucro. E como eu acredito que a Hyundai não se tornou uma entidade beneficente, tire as suas conclusões e boas compras.

Por Domingos Fraga
R7

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